A vida às vezes se perde na hipocrisia dos deslumbramentos
ilusórios e nas trevas. As cores perdem o brilho com o tempo, com algumas
pessoas acontece o mesmo. E seus martírios perduram causando perigo pela
hesitação prolongada neste mundo desconhecido das trevas e do mal.
Por mais que queiram o bem, acabam escolhendo aquilo que lhes
convém, tentam fazer o bem e amar. E tentam, tentam. Mas ninguém nota, ninguém
vê, não valorizam. Chega o dia em que dizem para si mesmos: Não dá mais.
Seguem outros rumos, outros caminhos, tentando esquecer de tudo
aquilo que um dia lhes fez mal, mas o que é mal, não será tão fácil apagar.
Choram, sem rumo, sem saber na verdade se procuram o bem e o amor, ou deixem
com que ele os encontre.
Vida e o perigo da hesitação prolongada
Toda a gente há de ter notado o gosto que têm os gatos de parar
e andar a passear entre os dois batentes de uma porta entreaberta. Quem há aí
que não tenha dito a algum gato: Vamos! Entras ou não entras?
Do mesmo modo, há homens que num incidente entreaberto diante
deles, têm tendência para ficar indecisos entre duas resoluções, com o risco de
serem esmagados, se o destino fecha repentinamente a aventura.
Os prudentes em demasia, apesar de gatos ou porque são gatos,
correm algumas vezes maior perigo do que os audaciosos.
O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula
um triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim,
acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente
reputação, enganar continuamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma
fadiga.
Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no
cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se,
estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente,
fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade,
fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e
na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais
doloroso.
O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa
náuseas beber perpetuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça
a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na
boca, e há momentos de enjoo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento.
Engolir essa saliva é coisa horrível.
Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em
que o hipócrita se estima. Há um eu desmedido no impostor. O verme resvala como
o dragão e como ele retesa-se e levanta-se.
O traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a
sua vontade senão resignando-se ao segundo papel. É a mesquinhez capaz da
enormidade. O hipócrita é um titã-anão.
O olho do espírito em parte nenhuma pode encontrar mais
deslumbramentos, nem mais trevas, do que no homem, nem fixar-se em coisa
nenhuma, que seja mais temível, complicada, misteriosa e infinita.
Há um espetáculo mais solene do que o mar, é o céu; e há outro
mais solene do que o céu, é o interior da alma.
Penetrai, a certas horas, através da face lívida de um ser
humano, e olhai por trás dela, olhai nessa alma, olhai nessa obscuridade.
(Victor Hugo)
A ignorância é vizinha da maldade, já dizia um provérbio árabe,
e assim a coletivização de mente é mais fácil de ser controlada. A inércia
mental produz zumbis culturais e seres hipócritas que se escondem atrás da
máscara da moralidade, que de tempos em tempos, arrumam a maquiagem com o
simples propósito de mostrarem a face asquerosa de perversidades, de egoísmos,
de vaidades, de presunções... com uma aparência mais bela e com um poder de
persuasão maior. (Riva Moutinho)
Abraços e muita paz!
Vida e a hipocrisia dos deslumbramentos
Reviewed by Luís Eduardo Pirollo
on
setembro 08, 2015
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